quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Parte I


Quando Lisbela tinha treze anos, conheceu Arlindo – um caminhoneiro conhecido da pequena e pacata cidade de Cabrobró. Logo no começo dessa futura relação, Ela sentiu que estava entrando numa cilada, e o futuro provou ser verdadeiro a este pressentimento.
Em tudo eles combinavam: desejos, sonhos, musica e boemia. Alem de supostos amantes, eles eram grandes amigos, e nada nem ninguém discordava desse fato. Eles estavam muito bobos um pelo outro, no entanto, não conseguiam expressar tamanho sentimento, pois o publico censurava aquele romance avassalador. Quando esse efeito anestésico da paixão por Lisbela foi passando, Arlindo foi mudando seu comportamento.
Enquanto Lis sonhava com o seu bem-amado, Ele, por sua vez, aproveitava o auge da sua juventude – que era repleta por falsos brilhantes. De nada importava o quanto ela se sacrificava por ele, Arlindo estava entrando no fantástico mundo de Woodstock, e isolando a Donzela vagarosamente da sua vida.
Mas como se tocar que estava faltando espaço para Ela no mundo de Arlindo? Não se tocou. E ainda nas noites mais sombrias e tenebrosas, lá estava a Bela a esperar o seu Dom Juan voltar de algum qualquer lugar, sujo por outros batons que se tornavam invisíveis aos olhos da paixão sufocante que reinava absoluto no coração da Cigana de olhos cor de mel.
Havia rumores da suposta vida paralela que Arlindo sustentava longe de Lisbela, e Ela até sabia, mas não conseguia usar as migalhas de tempo que tinha ao lado do seu Rei para fazer a Criatura mal amada que vestia azul anil. Na verdade, a Pobre tinha medo de confrontá-lo e Ele ignorar o sentimento dela, partindo de vez para bem longe da Senhora Carência.
Com o tempo, nada mudou. A vida paralela de Arlindo evoluía, e o romance das seis que ele tinha com Lisbela, regrediu. A única pessoa que não percebia isso era a própria Donzela. As visitas do rapaz ficaram cada vez mais raras. O vinho barato e um disco de Roberto Carlos que Ele esqueceu na casa Dela, eram as únicas companhias que ela tinha quando insistia em esperar o Arlindo, que nunca em sua vida disse ao certo quando chegaria.
Lisbela passava os dias e as noites ao lado da porta, do vinho e da radiola, na espera de Arlindo, que já há dois anos não mandara noticias. Jamais Ela imaginara que longe Ele se encontrava. Os amigos até tentavam consolá-la. Diziam:
- Lisbela,Deixe de ser ingênua, Mulher! Arlindo se foi com Inaura. Já tem filhos e não voltará. – na pura e mais árdua sinceridade de Margarete, a vizinha.
Falavam também que o moço já tinha batido as botas há um ano, e que nem uma carta deixou para a boba da Lisbela.
Acontece que diante de um passado tão mágico, tão verdadeiro, era impossível se convencer que tudo não passou de ilusão. Pois quando Arlindo se fazia presente, tratava Lisbela da forma mais singela e sincera que um Cavalheiro pode tratar uma Dama. Ele a amava de verdade, e fez dos momentos que passaram juntos os mais felizes. Ele dava adrenalina ao coração mais medroso do bairro. Dizia coisas que nem o mais apaixonado Shakespeare disse em suas obras. Deu vida, forma e conteúdo a uma mortal que antes de conhecê-lo só sabia bordar suas toalhas. Ele a fez.
Lisbela já tinha descoberto todas as falcatruas de Arlindo, mas também já tinha perdoado, e a única coisa que desejava era ouvir o toque das mãos dele, batendo naquela porta velha que a muito ninguém batia.
Passaram-se cinco anos. Ela já estava diferente: suas curvas eram mais preenchidas por carnes tão saborosas que todos os homens do bairro desejavam se fartar. Seu olhar manso e ingênuo se transformou em olhos de cigana – oblíquos e dissimulados. Os cabelos já com outros fios. E principalmente, o jeito de encarar os fatos já se encontrava maduro.
Um dia, passando por aquela antiga rua, um amigo de infância parou em sua casa para beber água, e disse algumas palavras que provocaram uma terrível depressão em Lisbela. Ela se lembrou de cada detalhe daquela historia que acabara em abandono. Comprou um vinho barato, procurou O disco de Roberto Carlos, e passou o resto da noite chorando e esperando Alguém bater naquela velha porta. Trágico.
Ninguém bateu. Ela acordou zonza de ressaca moral, e continuou a sua vidinha parada e depressiva. Longe de toda e qualquer noticia daquele primeiro e derradeiro amor que roubou sua identidade, e fugiu para longe, deixando a pobre entre os poucos cuidados dos vizinhos pervertidos e amigas invejosas.
Há quem diga que ainda hoje, Lisbela espera ouvir a porta bater, e aquele Homem entrar sujo de batom, com cheiro de cigarro, pedindo socorro e reafirmando que o amor que Ele dizia sentir ainda vigora naquele coração de pedra que pertence a mais pura dama de Cabrobró: Lisbela.


Continua...

James Dean e Natalie Wood (Rebelde sem causa).



terça-feira, 26 de outubro de 2010

Infinitos GB de memória.

Jersi era uma menina diferente das outras. Ela gostava de musicas antigas, tinha amizade com pessoas mais velhas e nunca gostou de popularidade. Uma das suas principais características era seu gosto “incomum” por pessoas. Não, ela não era lésbica. Apenas gostava de pessoas “estranhas”, em outras palavras, desprovidas de muita beleza.
Criticavam muito a pobre garota por isso, mas Ela não se importava, pois não tinha nascido para agradar o gosto de ninguém, somente o dela. Em um desses seus romances “incomuns”, ela conheceu um amigo: Elefante.
Ela deu esse apelido a ele porque nunca tinha conhecido alguém com uma memória tão aguçada. Ele simplesmente não esquecia de nada. Datas, momentos, micos e mulheres nunca passaram por despercebidos na vida dele. Até coisas que aconteceram quando ainda tinha três meses de vida, ele sabia contar com detalhes. E ela se prendia a essa amizade justamente por causa dessa valorização rara que ele dava as pequenas coisas.
Jersi tentava encontrar esse valor em outras pessoas, mas ninguém conseguiu superar essa característica marcante de Elefante. O jeito como ele se importa com os pequenos detalhes de TUDO é, de fato, apaixonante.
Conseqüência dessa amizade tão sólida e verdadeira, ainda nos anos de 2070, Jersi se encanta, quando senta para prosear com o velho amigo, e relembrar o passado, rindo dele falando:
- Eu ainda lembro de algumas tardes que fui te visitar na casa de Dinha... tu deitada no sofá e eu te acordava chamando teu nome... tu de camisetinha básica e com um pijama de seda de Lão, a cara toda amassada, o cabelo todo desgrenhado e boca escorrendo baba!
E a velha Jersi ri e se pergunta:
- Mas como é que ele se lembra disso?

Continua...

Sedentária anônima.


- Oi, meu nome é Sedentária.
- Oi Sedentária!
- Bom, se existisse um prêmio mundial que homenageasse a pessoa que menos sabe aproveitar feriados perfeitos, com certeza, eu ganharia disparada de qualquer nerd, gordo complexado, bicho preguiça, enfim, não haveria chances para os adversários.
Quando finalmente tem um feriado nessa droga de ano, eu sempre penso:  -Sedentária, não seja burra! Aproveite esse feriado para dormir, dormir, beber, visitar amigos, dormir, atualizar os conteúdos da faculdade, dormir, namorar, assistir um filme, visitar seus avós, beber, namorar e dormir.
No entanto, durante o feriado eu nunca consigo fazer nada dessas coisas. É uma chatice. É frustrante. Não me divirto. Não durmo. Não saio. Não bebo, ou melhor, bebo pouco. E meus avós coitados, nem lembram mais da minha cara.
Eu invejo muito as pessoas que sabem administrar seus feriados. Que arranjam tempo para tudo. Estão sempre com a pele linda e o olhar alegre. Mas quando me vejo, nova desse jeito, levando essa vida sedentária, fico muito preocupada com o futuro do meu ser. E me pergunto se morrerei com 200 Kg, um balde de batata, um pote de sorvete, solteira, com vinte e sete gatos ao redor e assistindo ‘Le fabuleux destin d'Amélie Poulain’ pela milésima vez.
Obrigada. Mais 24 horas.

Sra. Razão


Mistério é o principal motivo pelo qual eu me apoio para continuar buscando nela, o sentido de tamanho sentimento que guardo no coração. Dentre outras qualidades, o humor dela me fascina! Seu pensamento rápido, seus termos engraçados, essas coisinhas bem características de cada um. Dentre outros defeitos, o humor dela continua se sobressaindo (risos), quando chego à sua casa, cheia de sorrisos e amor pra dar, e ela me olha com aquele olhar noturno que fala ‘’-hoje eu não estou boa, nem encosta!’’ (risos).
Ela não precisa falar para os que a amam e a conhecem que ela está bem ou não. Sabemos exatamente o que fazer para arrancar um sorriso ou uma lágrima daquele lindo rosto. Mas, a propósito, não tente fazê-la chorar, para a segurança e paz de todos (risos).
Cheia de complexos e medos, no fundo ela sabe o quanto é linda linda linda, e que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Seria interessante sabermos um modo fácil de mostrar isso pra ela, porque é doloroso vê-la sofrendo por coisas ainda inexistentes.
Um dia, ainda vou fazê-la se sentir bem ao máximo, por completo e intensamente. Sem medos de futuras e supostas decepções, pois viver qualquer momento ao lado dela é fantástico, tirando a parte que ela não tira os pés do chão em momento nenhum. ‘’ Mulher sem razão ouve o teu homem, ouve o teu coração’’(risos).

sábado, 23 de outubro de 2010

Branquitude Jr.

Em toda a minha vida de amores e amigos, eu jamais conheci alguém como Ele: branco, NERD e tímido.
A sua cor é algo instigante. Ele é tão branco, mais tão branco, que quando está sob uma luz negra fica fluorescente. Quando faço piadas, as mais inocentes, suas bochechas ficam coradas e parecidas com suculentas maçãs maduras. Quando passa por um suposto flerte, as mãos ficam molhadas de suor, o braço treme junto com as pernas, o olhar fica perdido e a voz desaparece. Eu amo a sua cor por dois motivos: um- sabe se comunicar, atraves das transformações camaleônicas o que está sentindo, sem precisar falar. Dois- me lembra sua doce irmã, Sônia.
A inteligência deste brankelo desengonçado ultrapassa toda e qualquer barreira acadêmica. Fruto de uma família tradicional, Ele sabe de tudo. De física a receitas para o coração. Não preciso falar que estou triste, ele sabe ler no meu olhar o que estou sentindo, e dizer doces e sábias palavras que confortam o meu coração.
Não sei se alguém sabe, mas Eu adoro pessoas tímidas. Isso porque me acho dona de um dom que faz com que os mais tímidos fiquem a vontade na minha presença. E desde a primeira vez que o vi naquela sala de aula repleta de loucos, me desafiei a criar uma amizade sólida com a criatura mais sem jeito¹ do mundo.  Me lembro com alegria de um dos episódios dessas tentativas, essa por sua vez, foi não obteve sucesso. Numa prova de biologia, cuja eu não sabia bulhufas, sentei-me atrás Dele. Ele usava um casaco preto que fazia um forte contraste com sua pele cor de nuvem. Na hora do desespero, eu me inclinei a pescar todas as respostas dele – que era e é um NERD -, quando ele percebeu esse assalto, começou a suar frio, deitou sobre a prova e me implorou que parasse de fazer aquilo com ele.
Eu me senti a pior das criaturas. Uma assaltante de respostas. E ele criou uma notória barreira de proteção contra a ladra de provas. E por isso que eu, mais do que nunca, quis ser amiga daquele chato. E jamais quero perder sua amizade, pois uma pessoa que guarda respostas de uma prova de biologia com tanta competência, com certeza protege um lindo e verdadeiro sentimento por mim. Tenho certeza disso.
¹- para não repetir a palavra tímido.

-Não achei nada mais lindo e branco, risos.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Fala, que eu te como!


Sabe os sete pecados capitais? Alguns já viraram características minhas. Luxúria, Ira, vaidade e cobiça, já fazem parte do meu dia-a-dia. Mas, sem duvidas, o que eu pratico com mais freqüência é a GULA. Óbvio que eu tenho vergonha de relatar esses fatos, mas não posso guardar esse segredo para sempre.
Alguns alimentos me levam a tamanha gula, que pratico não só um pecado no ato, mas dois: gula e avareza.
Tenho uma forte atração por batata-frita. Seja ela como for. Batata-frita é a minha melhor amiga. Pronto, falei. Quando estou com ela, me escondo das outras pessoas, pois sinto ciúme quando tenho que dividi-la com alguém que nem aprecia tanto a sua existência. Faço loucuras por elas. Já me escondi no quarto, já esperei que todos saíssem para enfim degustar aquela preciosidade gordural, já neguei, já menti falando que ela não estava boa para que ninguém aceitasse... Essa louca ainda vai me levar à loucura.
Outra coisa que desperta meus instintos egoístas é o famoso chocolate. Não tem carnaval, São João, natal, dia das crianças... Boa mesmo é a páscoa! Fartura de chocolate! Se os esquilos entocam comida para o inverno, o problema é deles. Nunca consegui economizar dinheiro, quanto mais comida. Se tenho dez barras de chocolate, é chocolate no café da manhã, almoço, lanche, jantar, e antes de dormir. Se for pra morrer de overdose, que seja de chocolate!
Você pode até achar que eu sou maluca. Mas eu poderia está matando, roubando velhinhas indefesas, fumando craque. Mas não, estou me enchendo de besteiras, que um dia farão um desastre no meu corpo.  Mas não tenho saída. Pois vim para um mundo cujo pecar é humano e comer é LUXO.

sábado, 16 de outubro de 2010

Vejo, logo modifico.

Certo dia, desabafei com uma amiga o quanto viajo nos meus pensamentos. Tive que fazer isso devido um notório momento de transição. Ela conversava alguma coisa comigo, e eu, do lado dela, nada ouvi. Foi então que ela me perguntou:
- O que tanto pensas?
No momento eu voltei para o mundo real e ri.
Acontece que antes de viajar profundamente, eu vejo uma cena e a modifico de forma cômica ou/e trágica, usando apenas meu pensamento. Isso seria legal, se não tivesse virado um vício, de modo que atrapalha muito minha concentração numa coisa que é de fato importante para minha vida, como minha formação acadêmica.
Uma vez, em uma aula de psicologia da educação, estávamos todos sentados muito à-vontade. Quando uma colega que tinha ido ao banheiro voltou para a sala, e pediu licença para um garoto que apoiava suas pernas numa outra cadeira. Ele disse pra ela:
- para passar aqui precisa falar a senha.
Eles riram e ele tirou a perna de maneira natural (Sem senha. Risos)
Na minha cabeça, eu achei que aquele momento precisava de todo um cenário, um figurino. Então os fiz desta maneira:
Num boteco, num Faroeste, onde cowboys são boêmios e paqueram donzelas vestidas com longos vestidos de renda e cetim.
Aquela noite, o boteco estava cheio, pois foi dia de festa na cidade, houve tiros e mortes. E todos estavam comemorando. Menos Douriety, que era a garçonete do estabelecimento, e já estava exausta de tantos comentários eróticos em relação as suas belas curvas.
Foi então que, ao passar do balcão para a arena de mesas repletas de homens barbudos e raparigas carentes, ela tropeça na perna de Frederico, o caminhoneiro matador, e ele, espalitando os dentes sujos, bebendo cerveja e com um sorriso cafajeste no canto da boca, diz:
- Douriety, sua rapariga sem coração, para passar por aqui, terás que me mostrar seus belos e fartos seios cor de jambo.
Ela, por sua vez, sempre muito bem preparada e valente, tira uma pistola da sua meia-liga, e diz:
podrás ver mis pechos en el infierno, oh Federico.
E atira três vezes no desgraçado, que morre nos braços de outras sete mulheres mal amadas, que juram morte a corajosa garçonete.
E assim foi interrompido meu mais fértil pensamento. Ainda penso se acontecerá alguma cena, que eu modifique e a faça continuação da brava historia de Douriety.   


quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Hilda Hilst (1930 -2004)


Dez chamamentos ao amigo 

I

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há um tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

II

Ama-me. É tempo ainda. Interroga-me.
E eu te direi que o nosso tempo é agora.
Esplêndida altivez, vasta ventura
Porque é mais vasto o sonho que elabora
Há tanto tempo sua própria tessitura.
Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
E transitória se tu me repensas.

III

Se refazer o tempo, a mim, me fosse dado
Faria do meu rosto de parábola
Rede de mel, ofício de magia
E naquela encantada livraria
Onde os raros amigos me sorriam
Onde a meus olhos eras torre e trigo
Meu todo corajoso de Poesia
Te tomava. Aventurança, amigo,
Tão extremada e larga
E amavio contente o amor teria sido.

IV

Minha medida? Amor.
E tua boca na minha
Imerecida.
Minha vergonha? O verso
Ardente. E o meu rosto
Reverso de quem sonha.
Meu chamamento? Sagitário
Ao meu lado
Enlaçado ao Touro.
Minha riqueza? Procura
Obstinada, tua presença
Em tudo: julho, agosto
Zodíaco antevisto, página
Ilustrada de revista
Editorial, jornal
Teia cindida.
Em cada canto da Casa
Evidência veemente
Do teu rosto.

V

Nós dois passamos. E os amigos
E toda minha seiva, meu suplício
De jamais te ver, teu desamor também
Há de passar. Sou apenas poeta
E tu, lúcido, fazedor da palavra,
Inconsentido, nítido
Nós dois passamos porque assim é sempre.
E singular e raro este tempo inventivo
Circundando a palavra. Trevo escuro
Desmemoriado, coincidido e ardente
No meu tempo de vida tão maduro.

VI

Foi Julho sim. E nunca mais esqueço.
O ouro em mim, a palavra
Irisada na minha boca
A urgência de me dizer em amor
Tatuada de memória e confidência.
Setembro em enorme silêncio
Distancia meu rosto. Te pergunto:
De Julho em mim ainda te lembras?
Disseram-me os amigos que Saturno
Se refaz este ano. E é tigre
E é verdugo. E que os amantes
Pensativos, glaciais
Ficarão surdos ao canto comovido.
E em sendo assim, amor,
De que me adianta a mim, te dizer mais?

VII

Sorrio quando penso
Em que lugar da sala
Guardarás o meu verso.
Distanciado
Dos teus livros políticos?
Na primeira gaveta
Mais próxima à janela?
Tu sorris quando lês
Ou te cansas de ver
Tamanha perdição
Amorável centelha
No meu rosto maduro?
E te pareço bela
Ou apenas te pareço
Mais poeta talvez
E menos séria?
O que pensa o homem
Do poeta? Que não há verdade
Na minha embriaguez
E que me preferes
Amiga mais pacífica
E menos aventura?
Que é de todo impossível
Guardar na tua sala
Vestígio passional
Da minha linguagem?
Eu te pareço louca?
Eu te pareço pura?
Eu te pareço moça?
Ou é mesmo verdade
Que nunca me soubeste?

VIII

De luas, desatino e aguaceiro
Todas as noites que não foram tuas.
Amigos e meninos de ternura
Intocado meu rosto-pensamento
Intocado meu corpo e tão mais triste
Sempre à procura do teu corpo exato.
Livra-me de ti. Que eu reconstrua
Meus pequenos amores. A ciência
De me deixar amar
Sem amargura. E que me dêem
Enorme incoerência
De desamar, amando. E te lembrando
- Fazedor de desgosto -
Que eu te esqueça.

IX

Esse poeta em mim sempre morrendo
Se tenta repetir salmodiado:
Como te conhecer, arquiteto do tempo
Como saber de mim, sem te saber?
Algidez do teu gesto, minha cegueira
E o casto incendiado momento
Se ao teu lado me vejo. As tardes
Fiandeiras, as tardes que eu amava,
Matéria de solidão, íntimas, claras
Sofrem a sonolência de umas águas
Como se um barco recusasse sempre
A liquidez. Minhas tardes dilatadas
Sobreexistindo apenas
Porque à noite retomo minha verdade:
teu contorno, teu rosto álgido sim
E por isso, quem sabe, tão amado.

X

Não é apenas um vago, modulado sentimento
O que me faz cantar enormemente
A memória de nós. É mais. É como um sopro
De fogo, é fraterno e leal, é ardoroso
É como se a despedida se fizesse o gozo
De saber
Que há no teu todo e no meu, um espaço
Oloroso, onde não vive o adeus.
Não é apenas vaidade de querer
Que aos cinqüenta
Tua alma e teu corpo se enterneçam
Da graça, da justeza do poema. É mais.
E por isso perdoa todo esse amor de mim
E me perdoa de ti a indiferença. 

***

terça-feira, 12 de outubro de 2010

A Falsa.

Manhã de inverno com sol.
Sua amizade é como um algodão doce – você sempre vai desejar. É estranho falar isso nos dias de hoje, mas sim, ela é pura. E quem conseguir arrancar algum sentimento de baixo nível daquele coração terno, boa pessoa não é.
Maria é uma pessoa aparentemente normal. O que a torna anormal é sua imensa capacidade de despertar nas pessoas o amor (por ela, claro). Qualquer um que troca meia dúzia de palavras com ela, se sente enfeitiçado por um sentimento súbito sem explicação. E olha lá o tal qualquer já todo derretido por ela, a simples mortal feiticeira.
De manhã tarde, quando acorda (risos), e vem abrir o portão ainda tonta de sono, ri. É bom acompanhá-la num café de quinta-feira, numa conversa qualquer, só pra manter aquele laço indestrutível. Ta aí, ela é como uma manhã de inverno com sol, flores e frutas – rara.
Sortudo é quem a tem, seja lá como for. Mais do que Maria, LUA.






segunda-feira, 11 de outubro de 2010

12/10

Nostalgia.
Esse espírito de dia das crianças desperta em mim uma imensa saudade da minha infância. Como era doce (literalmente) a minha infância. Lembro das tardes de sábado, ela chegando na minha casa, cheia de imaginação e ternura. As brincadeiras bobas e infinitamente engraçadas, as resenhas, os sorrisos... ah, as crises de riso quando não se podia rir... como éramos malandras.
E no topo da ladeira, estava ela – a rainha, a bondosa, a eterna – MINHA VÓ! Com os bolsos cheios de doces, com o coração cheio de amores, com a mente cheia de fé... Ela era um vulcão de bondade. Aquele riso frouxo, que trazia felicidade aos mais desesperados. Todos sabiam o quanto ela era/é única. E a ausência dela só confirma que não haverá mais ninguém que supere a grandeza daquele coração!
Nas quartas, ele voltava. Cheio de esperança e farinha (risos). Meu pai não era um pai comum, ele era/é muito legal. ‘’-benção meu pai. Trouxe alguma coisa para mim??’’ eu perguntava toda cheia de interesses inocentes. E não é que ele sempre tinha algo simbólico na bagagem que supria minhas vontades? Ele é maximo, e eu ainda vou provar isso.
Ela era extremamente religiosa, e talvez isso me amedrontava (risos). Minha mãe era/é linda. Falava somente o necessário, e eu sabia exatamente como fazê-la rir. Me lembro dos gritos da janela ‘’-ow jéééééééééééssicaa...’’, era impossível não ouvir, até quem estava numa outra cidade, ouviria. E eu sempre pelas portas, como dizia ela (risos), mas sempre voltava suja e com o rabo entre as penas. Era uma comédia.
Meus tios eram como heróis. Eles tinham o dever de cuidar de mim quando meus pais se faziam ausentes. Era extremamente divertido passar minhas tardes com eles- risos, quedas, filmes, lanches diferentes...- mas quando o relógio marcava seis horas, meu relógio psicológico sentia uma imensa saudade, um sentimento inexplicável de abandono, e eu implorava ‘’-eu quero a minha mããããããããee’’, e não importava se ela estava no Japão, alguém tinha que me levar até ela. Tadinhos (risos).
E assim eu cresci. A queridinha dos tios, a princesinha da rua (segundo o finado Nau Fera), e a ovelha negra da família, mas isso eu conto num outro momento. Por enquanto, é só nostalgia.