quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Cartas, fotos e pijamas.

Cheguei fugaz.

Só passei porque sua mãe me ligou, dizendo que a sua casa estava uma bagunça: sala, cozinha, banheiro e quarto... Será que você nunca aprenderá viver sem mim, Sebastian? Como não pude ficar muito tempo, resolvi apenas deixar esse recadinho aqui na geladeira. Presta bem atenção e desculpe-me pela letra apressada.
Bem, arrumando sua sala, encontrei três ou quatro calcinhas sensuais, da mesma cor (preta), mais duas garrafas de vinho barato, um maço de cigarro e CDs pelo chão. Bem, sobre as roupas íntimas, não tenho direito de opinar, visto que não me encontro mais no lugar de sua nem você de meu, apenas quero ressaltar o valor mínimo daquelas peças: de quinta categoria! Lembro-me bem que você gosta da cor preta, principalmente nas calcinhas... Espero, apenas, que você não esteja procurando o meu cheiro, sabor e textura, nas mal feitas curvas dessas quaisquer que se deita com você, nesse tapete que eu comprei, sob a luz desse abajur que eu montei, ao som dos meus CDs de Rita Lee. Querido, na boa, eu não estou aí... Meu suor é outro, e minha boca não usa Avon!  Sobre o vinho... Nada mais barato, nada mais propício – finalmente algo aos pés.
Então... Sala limpa! Vamos à cozinha. Essas moças que você traz pra cá não te servem de nada além de sexo? Credo, que mundo vazio, não? Você dá de comer, beber, come-as, e elas, em nada, te pagam? Acho interessantíssimo o mundo dos solteiros, não há quem negue! No entanto, acho ainda mais lindo e aconchegante o mundo dos romances: é bom conversar com quem alguém que você transou, ouvir musica juntos e falar do tempo, do toque, da canção. É bom ver que aquela pessoa não tem apenas carnes e prazer, mas também tem um tom de voz suave que te acorda com um bom dia no dia seguinte, sem te entregar a conta. Experimente algo mais sentimental, Sê! Ta aí um conselho meu.
Cozinha limpa... Banheiro. ECA! Que horror... Recuso-me a limpas isso aqui. Esse vaso não sente cheiro de água sanitária há quanto tempo? Dois séculos? Epa... Perfume importado? Creme de barbear e pós barba de marca? Hidratante?  Sabonete líquido para as mãos?... Não estou acreditando no que vejo! Parece pegadinha. É incrível como os homens solteiros se cuidam 300 vezes mais que os homens compromissados. Na minha época não tinha isso de cheirinho especial, de investimento em pele. Nada disso. Homens. Lembro-me bem quando você chegava em casa, todo suado, e eu suplicava pra você tomar logo o seu banho, e você muito me enrolava, queria beijos e abraços como prova de amor, e a besta aqui cedia esses seus mimos. E por que diabos para uma estranha, que nem sentimento algum por você sente, usas um perfume tão caro e ainda com todos esses acessórios de cuidados com o corpo, que, na minha época, você nem sabia que existia? Arrasada com isso, não vou mentir. Dói muito saber você se cuida pra outra e não se cuidou para mim. Mas é isso, a vida segue, e a pessoa com quem me deito hoje, não me deixa a desejar em nada - engula essa minha declaração.
Banheiro: ok! QUARTO. Meu coração, agora, dispara como quem entrará num velório. Medo de não encontrar as minhas cartas, as minhas fotos, meu pijama que esqueci aqui uma vez. Medo de encontrar a foto de outra, cartas de outra e pijamas... Você não seria tão louco. Enfim, entrei. É, menos bagunçado que os outros cômodos. Cama com lençol de três meses, fronhas encardidas. É, com certeza não tens mais mulher por mais de uma semana. Minhas fotos não estão mais, nem minhas cartas e pijamas. Faz-me mal ficar mais de cinco minutos aqui dentro sem você, sem a gente. Lembro-me bem desses quatro cantos de quatro paredes. Jamais viverá com outra, o que comigo viveu. Talvez um pouco menos, talvez um pouco mais... Mas o mesmo, NÃO. Vejo que substituída não fui, nem serei. Ainda tem dois travesseiros na sua cama, um ao lado do outro. Sei que abraças o meu quando dorme, e, ainda que encardido, no fundo dele encontras o meu cheiro, o meu maior capeta pra você – cheiro de mim.
Não tive coragem de abrir o nosso, digo, o seu guarda-roupa. Entrei forte na sua casa e agora saio frágil, apressada. Quer saber por que não quis abrir o guarda-roupa? Não quero ter certeza do óbvio. Prefiro viver com a idéia de que você me guarda lá dentro, como seus bens mais secretos. Como o primeiro relógio que ganhou na vida e que nem cabe mais no braço. Como uma roupa que usou na escola quando criança. Como uma medalha que recebeu em um recital de poesias. Como uma carta, das muitas cartas, que a mulher da sua vida te escreveu numa noite solitária, dizendo que apesar de todos os teus defeitos, ela te ama mais que tudo, e quer ter filhos com você... Chega de pensar, chega de sentir. Acabou, não é mesmo? Não existe mais. Pois bem. Seu quarto está limpo. No meu travesseiro, eu borrifei mais um pouco do meu perfume, não posso deixar de infernizar o teu sono, claro.
Agora sim, casa limpa. Vim. Vim porque quando a sua mãe me pediu esse favor, meu coração pediu que sim. Senti vontade de voltar pro nosso canto, sem você. Sem brigas nem perguntas sem noção. Vim limpar o que você sujou com outras. Vim e voltarei sempre que o meu coração me disser que você está em apuros na bagunça que foi, é e sempre será a tua vida, sem mim.
Molhe as plantas, alimente os peixes e não me ligue.
Um abraço.


5 comentários:

  1. UAU, tipo, UAU MESMO. Você sabe que eu adoro as coisas que você escreve; essas coisa de por detalhisinhos de como você pensa em uma vírgula ou num ponto; gosto muito e muito me identifico as vezes, como nesse. Nostálgico, me fez 'me pensar', nos amores mal vividos, no passado, enfim. Essa tua cartinha pra Sebastian, pra mim, foi uma dupla injeção de saudade na alma. Beijos, Capitulina.

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  2. Prefiro viver com a idéia de que você me guarda lá dentro, como seus bens mais secretos.
    Tem coisas que é melhor nem saber a verdade.
    Parabéns! vc escreve com a alma. bjos (mamãe)

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  3. "No meu travesseiro, eu borrifei mais um pouco do meu perfume, não posso deixar de infernizar o teu sono, claro." Essa é tua assinatura amiga, mesmo que tu tivesse colocado ao fim deste texto: Autor desconhecido, eu saberia que ele era teu!!!

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  4. Tolo demais esse Sebastian... mais um tolo que perde uma mulher de verdade nesse mundo. Porque só uma mulher de verdade acata o pedido da sogra, ainda que seu coração diga sim, e tem estômago pra voltar à bagunça de outrora... Somos poucas, minha amiga. De verdade...

    Beijooo!

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  5. Sensível, íntimo, mordaz!
    Você, minha cíclame, é vc aí.
    Amei te ler, ler tua força e fraqueza.

    (...) ''que você está em apuros na bagunça que foi, é e sempre será a tua vida, sem mim.''

    dispensa comentários.

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